segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Segundo pesquisadora, além da ascensão social o corpo também constrói identidade nacional

O corpo tem sido um componente fundamental na construção da identidade brasileira. Segundo pesquisa realizada pela antropóloga Mirian Goldenberg, em um país com pouco investimento em outros capitais – como educação e cultura – o corpo acabou se tornando importante capital econômico e social.

O estudo, do qual participaram 1.279 homens e mulheres jovens do Rio de Janeiro, resultou no recém-lançado livro O corpo como capital, que mostra a especificidade de uma cultura em que o corpo é um componente fundamental na construção da identidade nacional.

“Determinado modelo de corpo, na cultura brasileira contemporânea, é uma riqueza, talvez a mais desejada pelos indivíduos nas camadas médias urbanas e também nas mais pobres, que o percebem como um importante veículo de ascensão social”, disse a professora associada do Departamento de Antropologia Cultural e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

“Meu argumento central é que, no Brasil, determinado modelo é um capital: um corpo jovem, magro e em boa forma, conquistado por meio de muito investimento financeiro, trabalho e sacrifício”, explicou Mirian.

A antropóloga cita um dado recente para demonstrar a importância que o corpo adquiriu na cultura brasileira e como ele pode ser um importante capital. Na lista feita este ano pela revista norte-americana Forbes das cem celebridades mais poderosas do mundo, os únicos brasileiros eram a modelo Gisele Bündchen, que, segundo a revista, faturou US$ 33 milhões em 2006, e o jogador Ronaldinho Gaúcho (US$ 31 milhões).

“Não é à toa que as profissões de modelo e de jogador de futebol são, atualmente, muito desejadas não somente por meninos e meninas das camadas mais baixas, mas, também, das camadas médias brasileiras. Jogadores como Ronaldinho, Robinho e Kaká usam seu corpo como capital. Por sua vez, todas as mulheres imitáveis são aquelas que também têm seu corpo como principal capital. Ser atriz, modelo ou apresentadora de TV é o sonho de nove entre dez meninas”, disse a pesquisadora.

Autora dos livros Nu e vestido e De perto ninguém é normal, a professora da UFRJ observa que a supervalorização do corpo é uma herança do processo de colonização do país. Recorre a Gilberto Freyre, que, no clássico Casa Grande & Senzala, analisou a importância do corpo desde o início da colonização brasileira como constituinte da identidade brasileira.

“De acordo com Freyre, o encontro entre senhores e escravos no Brasil foi harmonioso e basicamente sexual. Nossa colonização se deu por esse encontro do português e da índia, que apreciou a valorização de seu corpo por parte do colonizador. Depois veio o corpo da escrava negra, que ocupou um espaço enorme na casa grande e povoou o país”, disse Mirian.

“A representação do Brasil como um paraíso tropical e sexual, presente na visão dos estrangeiros e também dos próprios brasileiros, se mantém até os dias de hoje, reforçada pelas imagens de corpos seminus no Carnaval e nas praias”, analisou.

Segundo ela, a despeito das visões negativas sobre a submissão da escrava, o que se deve dar importância é o fato de não ter havido massacres, como na colonização de outros países latino-americanos. “A nossa cultura é especial porque não houve o antagonismo e massacre de uma cultura pela outra. Houve uma fusão cultural que se deu pelo sexo”, salientou.

Para Mirian, a idéia de que o corpo, no Brasil, é um verdadeiro capital, ajuda a compreender melhor por que as brasileiras, junto com as norte-americanas, são as maiores consumidoras da chamada indústria da beleza.

O livro enfoca, em um dos artigos, a atual febre do brasileiro pelas academias de ginástica e musculação, setor que movimentou por aqui cerca de R$ 2 bilhões em 2005, o que colocou o país como principal competidor dos Estados Unidos no ramo.

Dentro desse cenário, o Brasil já é o maior mercado de academias de ginástica na América Latina e o segundo maior em número de academias no mundo. Em 1999, o país contava com aproximadamente 4 mil academias e hoje tem em torno de 20 mil. Mais de 50% estão na região Sudeste, principalmente no eixo Rio-São Paulo, 25% concentram-se na região Sul e os outros 25% dividem-se entre as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.


Valorização no envelhecimento

Em junho e julho, Mirian Goldenberg ministrou na Alemanha oito palestras em diferentes universidades. Em seguida, iniciou a pesquisa “Corpos, envelhecimento e identidades culturais”, dessa vez com mulheres na faixa etária de 50 a 60 anos, das camadas médias e altas. Retornou à Alemanha em outubro, para realizar entrevistas.

A partir da idéia do corpo como capital, a antropóloga pretende compreender o significado do processo de envelhecimento na cultura brasileira. “Por isso, decidi fazer um estudo comparativo entre Brasil e Alemanha. Escolhi uma cultura que é o extremo oposto da nossa em relação a essa questão. A alemã é uma mulher que não quer ser sexy. Lá, nenhuma das que entrevistei faz academia de ginástica ou musculação. No Brasil, é impensável uma mulher de camada média não fazer qualquer tipo de trabalho com seu corpo”, destacou.

A idéia do estudo é refletir sobre o significado do envelhecimento feminino na sociedade brasileira. “Em uma cultura em que o corpo é um importante capital, no mercado de casamento e no mercado de trabalho, como as mulheres vivenciam o envelhecimento? Quais os principais medos das brasileiras ao envelhecer?”, questionou.

Segundo a professora da UFRJ, a principal conseqüência da supervalorização do corpo no processo de envelhecimento são as pressões às quais as mulheres mais velhas acabam submetidas.

“A alemã acredita que a mulher tem que aceitar o processo de envelhecimento natural e valorizar outros capitais, como inteligência, personalidade, poder ou relações de trabalho. Elas vêem muito mais ganhos do que perdas com a idade. As brasileiras não conseguem enxergar os ganhos, pois ficam focadas com o que elas estão perdendo com a idade. Há uma postura de vitimização das mulheres nessa faixa etária por aqui, que aponta, predominantemente, para perdas, medos e dificuldades associados ao envelhecimento”, comparou.

Fonte: Agência Fapesp, por Washington Castilhos

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Mistérios do Sol

Lançada em setembro de 2006, a sonda espacial japonesa Hinode (“nascer do sol” em português) tem a missão de desvendar vários dos mistérios do Sol. Os primeiros resultados da missão serão publicados em seção especial na edição desta sexta-feira (7/12) da revista Science.

Os primeiros resultados estão descritos em dez artigos, de cientistas do Japão, Europa e Estados Unidos, e ajudam a explicar, por exemplo, a gigantesca diferença de temperatura entre a superfície relativamente fria do Sol e sua quente atmosfera, além das origens dos ventos solares que varrem o sistema solar e atingem as atmosferas dos planetas.

Vários dos objetivos principais da Hinode envolvem a compreensão da física básica que opera no Sol, fornecendo à Terra o calor e a energia que mantêm a vida.

As descobertas também têm um aspecto prático, uma vez que as erupções de energia magnética do Sol são responsáveis pelos eventos do “clima espacial”, que podem ameaçar telecomunicações, sistemas de navegação e redes de energia elétrica na Terra.

Um melhor entendimento dessas erupções e do vento solar – imenso volume de material ionizado que o Sol despeja no espaço interplanetário – pode ajudar a prever e planejar ações adequadas para tais eventos.

“O Sol foi objeto de algumas das primeiras observações científicas feitas na história, mas vários dos processos que ocorrem no astro permanecem em mistério”, disse Brook Hanson, editor de Ciências Físicas da Science.

A missão Hinode está em órbita em torno da Terra em um padrão que permite visão constante do Sol. A missão é liderada pela Agência de Exploração Aerospacial Japonesa (Jaxa), com colaboração do Observatório Astronômico Nacional do Japão, da agência espacial norte-americana (Nasa), do Conselho de Instalações Científicas e Tecnológicas do Reino Unido e da Agência Espacial Européia (ESA).

A sonda é equipada com espectrômetros que podem observar o Sol em diferentes registros: óptico, raios-X ou ultravioleta extremo. Os aparelhos permitem captar imagens – inclusive em vídeo – com resolução especialmente alta no tempo e no espaço, mostrando as estruturas e os campos magnéticos existentes no plasma de alta energia do Sol.

Um dos principais resultados revelados pela edição da Science é a descoberta de um tipo de onda magnética, conhecida como onda alfvén, que ondula pelo plasma da atmosfera solar, ou “coroa”. O físico sueco Hannes Alfvén previu teoricamente essas ondas, o que lhe rendeu um Prêmio Nobel, mas até agora elas não haviam sido definitivamente detectadas.

Várias equipes de pesquisa reportam evidências de ondas alfvén, que poderiam potencialmente esquentar a coroa até temperaturas extremas ao liberar energia em sua trajetória para fora do Sol ao longo de linhas de campos magnéticos.

Tais achados podem ajudar a resolver um antigo problema relacionado à coroa solar: a superfície solar, ou fotosfera, chega a 6 mil graus kelvin, enquanto na coroa a temperatura chega a pelo menos 1 milhão de graus kelvin.

Ventos solares
Os artigos escritos pelas equipes de Jonathan Cirtain, da Universidade de Memphis (Estados Unidos), Takenori Okamoto, da Universidade de Kyoto (Japão), e Bart De Pontieu, do Laboratório de Astrofísica Solar Lockheed Martin (Estados Unidos), também destacam que a energia associada com as ondas é suficiente para esquentar a coroa e acelerar o vento solar.

Outro possível processo de aquecimento da coroa é a liberação de energia que ocorre quando as linhas de campos magnéticos se cruzam e se reconectam. Os eventos de reconexão são responsáveis primários pelas violentas explosões conhecidas como erupções solares. A Hinode observou uma variedade de jatos em alta velocidade de material ejetado desses locais de reconexão.

Estudando os dados da Hinode, o grupo liderar por Kazunari Shibata relata um número maior do que o esperado de “jatos anêmona” (com a forma de um Y invertido) em regiões de manchas solares ativas, que são áreas relativamente frias com intensa atividade magnética.

A equipe de Yukio Katsukawa também detectou vários jatos de pequena escala e curta duração associados com as manchas solares, enquanto o grupo de De Pontieu encontrou jatos na cromosfera. A equipe de Cirtain também identificou jatos muito maiores – de até 20 mil quilômetros de largura por 100 mil quilômetros de comprimento –, que podem contribuir para o vento solar.

Outra possível fonte dos ventos solares foi destacada pelo grupo de Taro Sakao, que identificou uma região na qual o plasma que emite raios-X flui continuamente para a coroa superior. Os cientistas avaliaram temperatura e densidade desse plasma e estimam que ele possa ser responsável por um quatro da massa dos ventos solares.

O artigo de Robertus Erdelyi discute essas e outras descobertas relatadas na edição especial, concluindo que a Hinode “abriu novas avenidas para a observação e a teoria solar”.

Os títulos e autores dos dez artigos que podem ser lidos por assinantes da Science em www.sciencemag.org:

Fonte: Agência Fapesp

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

“Múmia” de dinossauro é descoberta

Um dinossauro morto há 67 milhões de anos foi encontrado por um grupo de cientistas em Dakota do Norte, nos Estados Unidos. Até aí, nada de mais. Mas o destaque é a preservação ímpar do exemplar, que apresenta tecidos, ossos e pele.

Como tais partes não costumam ser preservadas pela fossilização, o espécime foi apelidado de “múmia”, apesar de estar conservado em pedra.

Diferentemente da maior parte dos dinossauros, nesse caso não será preciso fazer grandes estimativas de como teria sido fisicamente o animal. Por conta disso, segundo os responsáveis pela descoberta, teorias sobre a aparência e constituição física dos gigantes pré-históricos já começam a ser mudadas.

O exemplar descoberto, do grupo dos hadrossauros, foi ainda pouco analisado e artigos serão publicados em revistas científicas sobre os resultados dos estudos. O fóssil, que recebeu o nome de Dakota, tem até mesmo bem preservados tendões e ligamentos.

“Esse espécime supera o jackpot”, disse o líder da escavação, Phillip Manning, da Universidade de Manchester, ao comparar o achado com acertar o prêmio máximo em um caça-níqueis.

Segundo o paleontólogo, as chances de tal mumificação são muito pequenas. Primeiro, o corpo tem que escapar de predadores, de comedores de animais mortos e da degradação promovida pelo ambiente. Em segundo lugar, um processo químico específico precisa mineralizar o tecido antes da ação de bactérias que atuarão na decomposição. Em seguida, os restos do animal precisam sobreviver por milhões de anos sem danos até, por fim, serem descobertos e estudados.

A maioria dos dinossauros conhecidos foi estudada a partir de ossos, quase sempre encontrados separadamente. Com o Dakota, segundo os cientistas, o cenário é outro. “Em muitas partes, ele está completo e intacto, como em volta da cauda, dos braços, pernas e em parte do corpo”, disse Manning.

A escavação será exibida no documentário Dino Autopsy, que será exibido nos Estados Unidos no dia 9 pelo National Geographic Channel. O Conselho de Expedições da National Geographic financiou o trabalho de pesquisa.

Os hadrossauros eram herbívoros conhecidos como “vacas do Cretáceo”. Análises preliminares revelaram que esse animal era 25% maior do que se achava: Dakota tinha cerca de 12 metros de comprimento e 35 toneladas.

Ao reconstruir um modelo tridimensional em computador, a partir das características físicas do fóssil, os cientistas puderam estimar como ele se movia. “Esse hadrossauro tinha potencial para correr mais rápido do que o tiranossauro”, disse Manning. Uma vantagem considerável de 12 quilômetros por hora, com Dakota atingindo 45 quilômetros por hora.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Novo modelo para problema antigo

Cinco estudantes de arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) foram premiados em Copenhague, na Dinamarca, no 51º Concurso Estudantil da Federação Internacional de Habitação e Planejamento (IFHP, na sigla em inglês).

O concurso tem o objetivo de identificar soluções nos cinco continentes para problemas que as grandes cidades enfrentarão no futuro. Um importante desafio proposto pelos organizadores nesta edição foi o aumento populacional: em 2030, o mundo deverá ter 9 bilhões de habitantes. Outro ponto é o deslocamento para áreas urbanas: em 2007, pela primeira vez, a população nas cidades no mundo superou a das áreas rurais.

O projeto dos alunos da Escola de Arquitetura da UFMG, Bernardo Araújo, Éder Andrés, Isabel Brant, Mateus Andreatta e Thiago Campos, orientados pela professora Maria Lúcia Malard, recebeu menção honrosa por ser um dos 11 melhores entre 193 trabalhos inscritos.

O trabalho, intitulado Uma microcomunidade resolvendo problemas globais, propôs uma nova abordagem de ocupação para o Aglomerado da Serra, favela com mais de 50 mil habitantes localizada na região centro-sul de Belo Horizonte.

A área teve seu planejamento urbano refeito pelos alunos, que sugeriram a criação de mais unidades habitacionais e o aumento no número de áreas verdes e de espaços de lazer. A “nova comunidade” também foi projetada para ser mais bem servida de transportes públicos e ser capaz de produzir alimentos, energia e empregos.

Segundo Bernardo Araújo, a favela teria ruas principais que acompanhariam a inclinação do morro. Entre uma viela e outra, seriam construídas as “grelhas de habitação”, estruturas que formam vilas suspensas divididas em andares, com entrada comum para elevadores e escadas.
Cada andar seria dividido no que os pesquisadores chamaram de “lotes aéreos”, sendo que apenas 60% desses poderiam ser ocupados por residências e o restante utilizado para construções públicas, como postos de saúde e delegacias de polícia, além de praças que contribuiriam para a ventilação natural e iluminação do prédio. As grelhas de habitação, de acordo com o estudo, poderiam ser construídas em concreto ou metal.

“O projeto reúne características de uma vila de casas montada em estrutura de edifício. Como as áreas verdes não acompanham o crescimento das construções das grandes cidades, estabelecemos uma taxa mínima de ocupação, que pode ser variável dependendo da topografia do local, com o intuito de abrigar esses espaços públicos de convivência nos lotes aéreos sem construção”, explicou Araújo à Agência FAPESP.

O trabalho, que também propôs que as grelhas fossem abastecidas por energia solar e sistemas de reutilização de água da chuva, incluiu ainda uma estrutura de transporte formada por estações de bondes para locomoção interna dos moradores entre as partes altas e baixas da favela.

“O projeto foi desenhado a partir de tecnologias de construção existentes no mercado e, por isso, pode ser adaptado a qualquer favela do Brasil. Ganhar uma menção honrosa no concurso da IFHP traz oportunidades de discutir questões sobre a sustentabilidade econômica e ambiental das metrópoles”, afirmou Araújo.

Segundo ele, a prefeitura de Belo Horizonte, que mantém o programa de habitação Vila Viva, cujo projeto piloto está sendo realizado no Aglomerado da Serra, demonstrou interesse pelo estudo da UFMG, uma vez que o trabalho aumentou em cerca de 50% a capacidade habitacional da favela sem a necessidade de ampliação de área.

“Ainda que a implementação desse tipo de projeto demande planejamento urbano a longo prazo, estamos, com o auxílio dos professores da universidade, buscando parcerias com gestores da prefeitura e de empresas urbanizadoras para tentar, de alguma maneira, discutir a aplicação prática desse novo conceito de urbanização”, disse Araújo.
Fonte: Agência Fapesp